Prefácios para Ibernise
No Livro Caminhos e Descaminhos do Ser:
Prefácio de José Alberto Valente
PREFÁCIO
A tarefa de um prefácio é invariavelmente um exercício árduo de escrita na exacta noção que se tem que algures alguém vai tentar comparar os estilos, e na ausência de paralelismos indagar-se-á da razão e motivação de alguém (como eu) que sem história e sem obra se mete em trabalho desta monta. Com a Ibernise cultivo um sentimento de profundo respeito, pela sua obra e pelo seu exemplo de vida e humanismo e mais tarde depois de trocarmos idéias o respeito transformou-se em amizade e quiçá intimidade. Quando a Ibernise me convidou para prefaciar este livro fiquei relutante não por medo mas pela elevada estatura moral que a sua práxis de vida nos inspira e a quem com ela priva:
Feno que alimenta o estio,
Torta de erva não ceifada,
Agora é tarde, jaz no vazio...
Vai ser adubo ou forragem...
A Ibernise insistiu em ser semente, em ser árvore de vida... Neste livro que nos apresenta a autora convida-nos a uma viajem cujo meio de locomoção varia entre as asas da fantasia e a dura realidade do Brasil e do mundo. Ibernise mete mãos à obra e como a camponesa unta as mãos de saliva e agarra o cabo da enxada vergastando a terra dura, mas sempre agradecida por ter essa terra e embora lhe reconheça por vezes a ingratidão não desiste de a labutar e transformar, de a conciliar e com ela se tornar una.
A viagem que encetamos ao ler a sua obra é tão grande quanto o conhecimento que possamos ter dela. Poderá começar nos idos anos do seu décimo terceiro aniversário quando a arrancaram à sua condição de menina moça e a forçaram a ser mulher adulta antes do tempo. Mas se não conhecemos a história podemos entranhá-la no sugestivo deambular da guerreira que se esconde por trás do seu olhar doce:
Não basta me conhecer,
Mas através de outro, ser...
Não conta só a pessoa
Este é o brado que soa...
Ibernise fala-nos da sua revolta, fala-nos das convenções escritas que rasgou, nos caminhos e descaminhos do ser vividos na primeira pessoa. Fala e olha-nos nos olhos sem desviar, mostra-nos disfarçada por versos singelos o gume da sua pena:
E quando falta força física
Praticam sua auto superação
Para as mães bênçãos explícitas
Lucidez, dignidade e mais afeição.
Nesta viagem Ibernise é anfitriã e cicerone, franqueia-nos a entrada de par em par e explica-nos o mote dos seus versos em ilustrações narrativas de grande alcance cultural e filosófico: “O mundo numa aparente baderna se eterniza, no todo conservado. Poeira cósmica gerou vida, que gera poeira cósmica, ‘ad infinitum’ Isto é pura harmonia. É lição velada, que promove a humildade no efémero, verdade e
Fé no Supremo.”.
Não precisamos concordar com ela, não é isso que se pretende, ela quer tão-somente que pensemos e interiorizemos o que ela nos dá a ver da janela da sua alma. O cunho político e inconformista são traça constante da sua obra:
Na má distribuição de renda
Injustiça social na pendenga.
Como farinha de um saco só
Amarra a todos no mesmo nó...
Munida de um profundo conhecimento do Brasil real e profundo a autora faz alarde da sua consciência social, retira-nos da modorra cinzenta com que decoramos os nossos dias e faz-nos debruçar sobre o real em que tropeçamos diariamente sem lhe fazer caso:
Há muito risco hoje em dia
Pois tem até em drogaria,
Drogas, para viciar o são...
A solução? Dar educação...
Ou ainda:
Povo querido, que vive quase à margem,
Para eles desenvolvimento é miragem...
A seca, que os acedia, leva ao êxodo rural,
Inchaço nas cidades, problema nacional...
E o que dizer da mulher “self made woman”, mãe de família, esposa e avó. Que dizer da ternura de quem exibe orgulhosamente a sua genealogia passada e futura, que dizer da mulher-menina que se descobre entremeada nas enormes responsabilidades que a sua condição profissional lhe conferem:
Aquela avezinha linda
Eles aprenderam a amar...
Ficou forte, coloriu as penas E...
Voltou pra flores beijar...
Porque Ibernise revela-nos os problemas mas sintetiza a solução, que está ali aos nossos olhos mas ninguém quer ver. Dá-nos a educação como solução e a família como responsável primeiro e ultimo de conferir à humanidade essa componente educativa e social como fonte e meio de bem-estar:
Aprenderás, no limiar do futuro desconhecido,
Valores básicos que a família proclama...
E assim, terás finalmente amadurecido
A Ibernise é esta mulher completa, poetisa que encarna o verso como forma de vida, camponesa que lavra a palavra como cultiva a Terra. Tem uma empatia empírica com a palavra da mesma forma que os seus antepassados tinham com a terra una e indivisível do ser humano. Não é a terra que faz parte do ser, é o ser que faz parte da terra. Se a terra é poesia como a cantamos ela é a trovadora desse devir perpétuo e imemorial porque todas as palavras rimam ainda que não acabem com as mesmas letras, todas as palavras rimam, ainda que falemos línguas diferentes porque poesia é amar. Amar, amar sem fim... É essa a viagem eterna a que o(a) leitor(a) está convidado(a).
José Alberto Valente
Poeta Português
Braga (Portugal)