Paixão Arde, Desejo Trai

Mostra de Poemas Comentados de Ibernise

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Quem Disse Que Sou Pura?
O espelho d’água me olhou em profundidade. Tornou minha imagem serena  aquela reflexão da onda de luz no espelho d’água. Sem som e fúria, de Macbeth, serenou irreconhecível.

Será que a morte chegou? Dizem que só seremos serenos no fim...

Me imaginei mergulhada no espelho d’água, onde me defrontava com outro mundo, ou será uma experiência profunda de paz. Pois nada como a água e luz para elevar nosso espírito, lavar nossa alma, nosso corpo.

Beber água, sentir a preciosidade do líquido que nos compõe praticamente só, porque cerca de 75% do nosso corpo é água.

De repente lembrei-me de uma recomendação preciosa, de um ente querido, não se queixar nem explicar. Pode ser um caminho.

Parece um paradoxo elevar o espírito com duas atitudes tão difíceis de actuar : sem queixas nem explicações. E encontrar a tão almejada paz.

Sim mas para encontrar tal serenidade é preciso estar indiferente a coisas e situações que nos pressionam para queixas e explicações. Dai já eliminaríamos grande parte das inquietações.

Fala-se tanto em paz, queremos paz. Será que somos capazes de construí-la? Por exemplo; a confissão num confessionário, a um amigo, ou pra si mesmo sempre a ouvir duas vozes, uma a queixar- se e outra a explicar-se.

Neste exemplo a estória acontece mais ou menos assim:  

Primeira voz
‘A presa mais fácil? Sempre se atrai pela presa mais fácil? ‘

Segunda voz
‘Sim. É como uma ventania. Não consigo evitar mesmo que tentasse.’

Primeira voz
‘E quem foi a vítima desta vez?’

Segunda voz
‘A filha do meu irmão, minha própria filha pode se dizer.
Sempre me digo que será a última vez. Tamanha aversão que sinto por mim. E medo também, mas depois que começa...  ‘

Primeira voz
‘De que sente medo?’

Segunda voz
‘Da beleza da pele dela, quando falo com ela de surpresa, ela vira o rosto fica pálida, seus modos de certa forma me deram a ideia. Tudo começou quando vi os tornozelos dela. Tão delicados senti o desejo de corromper esta criança e consegui. Ah! Que abismo delicioso. Antes dela foram só mulheres sem valor, não eram ninguém... ‘

Primeira voz
‘Nenhuma mulher é sem valor. Foi você que as escolheu para possuí-las e destruí -las. Ninguém é um
nada. ‘

Um conflito interior sem tréguas...

Naquele espelho d’água a imagem refletida ia serenar? Ia conciliar suas aversões internas, seus segredos indecifráveis, incontáveis, irreconciliáveis iam encontrar um lenitivo ou só uma busca a mais de deixá-los num  subnível e degradação? E a falta de paz  se refrataria num nível mais interno e difícil de alcançar?

A imagem inicial sem a serenidade esperada se perderia em ver o que estaria lá dentro a transformá-la, a impedi-la de serenar?

Isto é humanidade.

Esta busca, inquietação. Esta sangria que não estanca, porque sofremos, porque queremos ser mais, porque sendo mais o outro não nos alcança para queixas e explicações que não temos competência para ouvir nem compreender, muito menos para dar. A dor do outro só ele entende, só ele tem a cura.

Daí só sobra o julgamento de valor no qual o outro é sempre um ser desprezível e condenável.

Acho que nem vale a pena tanta reflexão. Acho que vou procurar um espelho d’água e mergulhar direto para a purificação...

In: ‘ Quem Disse Que Sou Pura’ prosa de Ibernise.
Barcelos 10JAN2018. Fotos de Ibernise. Barcelos Natalino e Alvéolos/presépio.
Feliz Ano Novo/que venha com seus desafios e tréguas. Porque sem tréguas é a nossa luta interior. Viva 2018.
Ibernise
Enviado por Ibernise em 23/01/2018
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